Foi editado, recentemente, pela Chiado Editora, um romance com o título "Pegadas Gravadas na Pedra, Palavras Gravadas no Coração", cuja acção se centra em Sobral de São Miguel e na região envolvente, abordando também a problemática da vida dos mineiros da Panasqueira.
SINOPSE
João é visitado no leito do hospital por Francisco, um amigo com quem partilha memórias de infância. Vendo-o quase incapaz de falar e sabendo do seu gosto pela escrita, Francisco convida-o a narrar por escrito a sucessão de acontecimentos que o conduziram ao deplorável estado físico em que se encontrava.
Aquele aceita o desafio e vai criando uns personagens que são decalcados da sua pessoa, da esposa e dos que os cercavam e escrevendo uma história assente em episódios reais e imaginados decorrentes da sua vivência de seis meses na zona de Sobral de São Miguel. Porém, a certa altura, o autor perde o domínio dos personagens, que começam a ganhar vida própria; a descrição adquire mais força e dinamismo, a história solta-se também, num crescendo de interesse, passando a misturar mais intensamente a realidade com a ficção, a verdade com a imaginação, o sexo com a traição, o mistério com a religião.
Jorge, o alter-ego de João, que estava a efectuar trabalhos de levantamento de arte rupestre naquela zona, descobre que um seu tio, natural de Coimbra e engenheiro nas Minas da Panasqueira, tinha sido encontrado morto, em circunstâncias não totalmente esclarecidas, há muitos anos, nas proximidades da mina.
A busca de informação sobre aquela morte, leva-o - a ele à esposa - a procurar conhecer a vida dos mineiros e conduzem-nos a uma série de pistas misteriosas, encadeadas entre si, dissimuladas numa igreja de Coimbra.
Quando todos os indícios parecem apontar no mesmo sentido, o que lhe permitiria desvendar o mistério, Jorge é conduzido ardilosamente ao objecto da sua pesquisa – uma “mina dos mouros”, junto a Sobral de São Miguel, que encerrava um segredo secular, onde veio a conhecer, finalmente, as circunstâncias da morte do tio.
Pelas páginas desta narração cruza-se igualmente a história da dolorosa doença que veio a vitimar o seu amigo Francisco, constituindo esta obra uma homenagem a uma amizade que se mantém viva para além da morte.
(Esta obra poderá ser adquirida através da Chiado Editora, do Sítio do Livro ou das livrarias Bertrand, FNAC e outras)
EXCERTO DA OBRA
Estavam quase no final da refeição quando ouviram o som de uma concertina que se aproximava.
- Ora muito boa noite a vossas senhorias!
Quem assim falava era o Ti João da Mina um personagem que surgira na sala de jantar, junto ao balcão da cozinha. Todo ele era uma figura caricata. Baixinho, mas mexido, de cabelos quase todos brancos, sob um chapéu preto, um pequeno bigodinho à Charlot sob o nariz vermelhusco, uns olhos pequeninos e muito brilhantes e um sorriso de palhaço. Nas mãos tinha uma concertina que manejava com mestria, espalhando alegria.
- Boa noite, amigo, é servido? Quer beber um copito connosco? – perguntou Jorge.
- Não sou servido, mas um copito calha sempre bem.
O Ti Catarino estendeu o braço e retirou um copo de outra mesa que estava posta e onde não havia ninguém – aliás, ao jantar, os comensais eram quase sempre só eles – e estendeu-o para Jorge, que o encheu de vinho.
- Vá, é para afinar a garganta! – exclamou.
O homenzinho bebeu o vinho com visível satisfação, deu um estalo com a língua e, balançando o corpo, esticou o fole da concertina e começou a cantar:
Boa noite meus senhores
Boa noite meus senhores
Aqui me têm a cantar
Trabalhei naquelas minas
Onde me queriam matar.
Trabalhei naquelas minas
Onde me queriam matar.
Onde me queriam matar
Onde me fizeram sofrer
Se de lá não tivesse fugido
Trabalhava até morrer.
Se de lá não tivesse fugido
Trabalhava até morrer.
Atrás do cantador juntou-se uma grande assembleia a escutá-lo, meneando a cabeça de cima para baixo, como que a assentir no que ele dizia e acompanhando-o no refrão.
Trabalhava até morrer
A mina era o meu caixão
Se não me matasse o pó
Matava-me o meu patrão.
Se não me matasse o pó
Matava-me o meu patrão.
O homenzinho desfilava a cantilena, sempre meneando o corpo, e os outros iam entoando o refrão. Era um quadro digno de se ver: aquela gente de rostos, geralmente, fechados, ali agora com um sorriso, acompanhando a cantilena do homem. Até o Tó Zé se posicionara atrás de todos, onde sobressaía pela sua estatura.
Depois de mais algumas quadras alusivas ao trabalho da mina, rematou:
Agora que me vou embora
Despeço-me de vossas senhorias
E só vos peço desculpa
Destas pobres cantorias.
E só vos peço desculpa
Destas pobres cantorias.